03 março, 2013

Embalo

As ondas bramiam contra a madeira bolorenta da casa à beira-mar.

Ela sentava-se no sofá forrado a pano, frio, em frente à janela que dava para o oceano, que olhava sem o ver. O corpo quase morto deposto sobre o tecido fixava o vidro, parado como ela.

Ele sentava-se ao lado, fumava um cigarro acabado, interceptado por goles num velho copo de brandy.

O relógio de cuco anunciava as 18 horas. O movimento repetitivo do animal de madeira para dentro e para fora das portinholas e o barulho que se chamava a si próprio, lembrou-o do tempo. Levantou-se, apagou o cigarro e bebeu de um gole só o resto do brandy envelhecido pelo copo.
Tirou uma panela amachucada da gaveta e encheu-a com água a ferver, sem motivo nem propósito. Uma tentativa, talvez, de ver movimento e vida nas moléculas a brobulhar. Acendeu outro cigarro, encostado ao fogão. Conseguia observá-la pela porta aberta da cozinha. Imóvel, tornando-se parte daquele espaço.
Olhava à volta enquanto expelia o fumo de um travo. Tudo era velho e negro, consumido epla melancolia daquele sítio, que começav a consumi-la a ela.

Caminhou e ajoelhou-se à sua frente. Beijou-lhe os joelhos, as coxas, as mãos e as suas feridas, os braços, o pescoço, os lábios, os olhos, numa espiral ascendente até à testa, onde a beijou lentamente.

Abraçou-a, quase como a embalá-la, para trazer aquele corpo quase morto de volta à vida. Um abraço de um embalo que envolveu o mundo, maior que aquela melancolia, mas não maior do que a força dele para a tirar dela.

Sem comentários:

Enviar um comentário