20 julho, 2011

Crónica


O tempo deixa-me parada.
Raio de tema, tantas vezes falado, e sempre tão presente. Nunca temos tempo para nada, mas este custa tanto a passar. É o chamado tempo psicológico. Sei lá quem é que lhe deu o nome, só sei que me dá conta da cabeça.
O relógio marca não-sei-quantos minutos adiantados. Porra, sempre atrasada.
Em passo apressado tento chegar ao metro. Pelo caminho encontro um conhecido, daqueles que só aparecem quando não temos tempo. (Não sei se é o psicológico ou o dos ponteiros.)
Ainda tenho que carregar o cartãozito verde, com um design muito chamativo, mas que na verdade ninguém liga, porque só serve para se esfregar nas plataformas azuis, cujo nome nem sei, que nos abrem as portas para um maravilhoso mundo novo. (Oh p'ra mim, tão filosófica e mentirosa.)
O metro está no cais. Corro pelas escadas rolantes, que me dão a velocidade que nunca hei-de ter, a guardar o troco na carteira, com a mala num braço, a carteira numa mão, e os pés sem tempo (mais uma vez) de sequer tocarem no chão.
Entro na carruagem, sem tempo de olhar em volta e observar quem viaja juntamente comigo. Saio na paragem a seguir para trocar de linha.
As pessoas transformam-se em formigas no seu caminho em direcção ao formigueiro, ou em Condes Drácula em direcção ao seu covil, sem tempo para morder uma meia-dúzia de pescoços.
Entretanto espero na plataforma do meu destino pelo metro. Aí o tempo recupera o tempo perdido. Temos tempo para ajeitar o cabelo, ver as horas, verificar se temos alguma chamada perdida, atar os sapatos, e ainda reparar nos movimentos da pessoa que se senta ao nosso lado. E ainda esperamos mais  algum tempo porque o metro teima em não vir.
O rufar dos tambores metropolitanos soa no túnel e apressamo-nos a levantar para ir de encontro a ele. Não sei porquê tanta pressa se ele ainda demora, e ainda por cima pára mais à frente de onde nós estamos, literalmente, estagnados.
1, 2, 3, 4, 5 paragens até ao destino. Nunca mais passam. Aí é que o sentimos. O sujeito que falei em cima. O tempo psicológico. Se vamos com um bando de gente que conhecemos, o tempo é curto para mais uma gargalhada ou para uma confissão da noite anterior; se vamos sozinhos, parece que estamos a atravessar o Deserto do Sahara. E tanta gente que vai como nós, dentro do mesmo tubo, pelo mesmo caminho, para o mesmo sítio. Evitamos o contacto visual com a pessoa à nossa frente, se calhar esperando que assim não sejamos alvos de um piscar de olhos ou de um sinal moralmente desrespeitador. Olhamos para o mapa do metro, para os sapatos, para a velocidade que o comboio toma pelo túnel. Pensamos que logo, quando chegarmos a casa temos que ir passar a ferro, ou que nos esquecemos de comprar guardanapos. Pensamos que a senhora à nossa frente olha para nós com ar de que nos inveja o penteado, ou se duvida que nos tenhamos visto ao espelho antes de sair de casa. Pensamos que o casal de namorados ao nosso lado poderia ter intimidade em casa, em vez de no metro para toda a gente ver. Pensamos que o senhor à nossa retaguarda tem um estilo do caraças (peço desculpa a expressão) e que a senhora que está lá fora, com as portas quase a fechar, não tem pressa nenhuma de entrar e chegar ao destino, ao contrário de nós. Pensamos em quantos dias ainda faltam para as férias e que roupa vamos levar. Pensamos em mil e uma coisas num espaço de tempo que não chega para umas quantas gargalhadas. Reviramos a mente, impacientemente, à espera da nossa paragem. E quando chegamos, lembramo-nos que não temos tempo, e que já estamos atrasados.
Raio de coisa, hã?

2 comentários:

  1. gostei mesmo muito. é precisamente isto que tenho de conseguir fazer. pegar no meu abstracto e no real e pimbas.

    o metro faz-nos pensar em tanta coisa

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  2. as vezes perco-m nas minhas reflexões,fujo do que eles chamam de real, do que Álvaro chamou de Tabacaria de fronte, e mergulho num outro mundo, com amplitudes tempo-espaciais variáveis e deixo de viver. Mas será que deixo? Será que a vida é ter essas amplitudes bem definidas? Será que o espaço pra onde fujo quando reflexo não é um espaço real? Será que o espaço onde me prendem não é uma ilosão? Será que...? E depois? Kant disse-me, no tempo em que fizemos tropa juntos, que tinha falado com Deus e Este lhe transmitira que a realidade é medida pelo Homem em metros e em segundos, mas que na realidade não estão lá metros nem segundo! (e depois disse-me, se precisares de explicar isto usa Pessoa: Pessoa escrevia espontaneamente , não andava à procura de rima e de métrica, mas nós avaliamos a rima e métrica, isto pq é a nossa forma de entender Pessoa, mas não é isso que Pessoa foi)

    lindo, és brilhante mas tu sbs disso :D

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