22 janeiro, 2011

Por um dia,


Por um dia, irei suavizar  o sonante toque do teu despertador.
Irei aquecer o teu corpo dentro dos lençóis para teres um sossegado acordar e irei colocar o sol  no céu para clarear o teu dia.
Irei coordenar os teus movimentos ao ajeitares o lenço do teu blazer e o perspicaz toque dos teus dedos ao delineares cada madeixa de cabelo, só para a tua figura ficar perfeita.
Irei engomar a tua gabardina e realçar o côncavo do teu chapéu.
Irei pintar as pedras da calçada com o teu nome, com tinta cor de água e irei pôr a "Canção de Engate" a tocar no café onde tomas todas as manhãs o carioca de limão e a meia torrada.
Irei desimpedir a linha azul do metro para a encheres apenas com a tua presença. Irei fazer brilhar a Rua Garrett e irei lustrar a eterna pose do Pessoa na esplanada d'A Brasileira.
Irei acrescentar dez gotas de perfume à tua essência, para que ela se misture com o cheiro das castanhas assadas e com a brisa do Tejo.
Irei consertar o elevador do teu escritório, para não teres que subir as escadas do mesmo e não desfazer as pinças das tuas calças que tanto trabalho te dão a fazer. Irei pôr a nossa fotografia numa posição estratégica na tua secretária, para que o azul do céu se reflicta nela e te motive a enfrentares o dia.
Irei facilitar o teu trabalho, para que este se desenvolva e te dê notoriedade mais depressa. Irei acalmar os ânimos do teu patrão, para que por um dia ele não te incomode.
Irei desenhar a minha silhueta em todas as nuvens, para que saibas que estou a uma simples distância de três palmos de céu.
Irei limpar as travessas lisboetas de tristeza e os becos de angústia, para que estes, por um dia, não te atormentem.
Irei colocar charettes no Terreiro do Paço, eléctricos vermelhos a descer o Chiado e magalas a desfilarem na Rua Augusta.
Irei planear desprevenidos encontros com velhos amigos, para que nunca te esqueças do seu apoio.
Irei colocar de novo o "Apocalypse Now" em cartaz no cinema Londres e o "Passa por mim no Rossio" em cena no D. Maria II.
Irei fazer com que o Sol se atrase duas horas a pôr em pleno Dezembro, no nosso doce Dezembro.
Irei fazer com que o prato do dia seja ervilhas com ovos escalfados no restaurante onde jantas regularmente. Irei colocar o número de telefone de casa dos teus pais em primeiro lugar na tua lista de contactos, para que lhes telefones a assegurar que estás bem, mesmo sendo mentira, para lhes dizeres o quanto os adoras e como correu o teu dia.
Irei abrir uma pequena frincha do baú de verga, para encontrares "A Balada da Praia dos Cães", que já há tanto tempo querias ler. Irei destacar o vinil dos Duran Duran para o ouvires antes de te deitares.
Irei aconchegar as tuas almofadas e alisar o sítio onde um dia já estive, mas onde agora só estás tu.
Irei entalar a colcha da nossa, agora apenas tua, cama.
Irei afagar a tua face de tez morena sem sentires, irei notar os teus olhos castanhos fecharem levemente para entrares num mundo de sonhos, e observar a tua boca esboçar um ténue sorriso.
E irei por último, permanecer a teu lado, invisível, a ver-te dormir e sentir que voltaste a ser feliz, sem mim, por um dia.

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