Escrevo-te hoje,
sem nenhuma razão especial.
É precisamente
1:30h da manhã. A noite está nublada e as estrelas brilham tenuemente, apagadas
pelo vento frio que corre nesta madrugada de Julho.
Escolhi
cuidadosamente o bloco e a caneta para te escrever. São habituais estes
pequenos ritos, mas sei que não sabes. Acho que nem sequer sabes que escrevo.
Mas não importa, porque escrevo-te hoje, como te podia ter escrito ontem ou
daqui a cinco anos. Ainda assim não irias saber.
Escrevo-te hoje,
e hoje é a última vez que te escrevo. Quanto mudámos com as marés que nasceram
e morreram ao longo destes anos… Até já me surgiram pontuais cabelos brancos. E
a ti? Sei que já tens mais barba. Pareces mais sábio. Acho que estás mais
sábio.
Escrevo-te hoje
com olhos que te vêem de forma diferente; olhos que provavelmente não
escreveriam assim se não tivessem mudado. Ainda bem que mudaram.
Escrevo-te hoje,
e o Chiado continua igual. Os candeeiros enferrujados desta cidade de onde
foges também. Mas eu não.
Escrevo-te hoje
a milhas de distância, do corpo e da alma, que sei que está entregue a outrem.
Se calhar escrevo-te hoje por isso. Mas sem mágoas! Fico contente, e só fico
contente porque hoje, enquanto te escrevo – e esta é a última vez que te
escrevo – agradeço-te.
Por tua causa,
hoje existo sem cânones definidos. Foste o mais idílico de todos eles, e na tua
natureza mais simples, falhaste. Falhaste-me. Mas não te lamentes! Agradeço-te
por isso.
Foste o teu
próprio antídoto; a tua pele foi-se despindo com o passar dos dias e descobri
que a tua nudez não me cabia. É quando nos despimos dos adereços do espectáculo
mundano que percebemos se somos certos para amar. E tu não eras. E é por isto
que te escrevo.
Escrevo-te hoje.
Agradeço-te hoje. Por nunca me teres amado.
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