08 julho, 2014

Escrevo-te hoje

Escrevo-te hoje, sem nenhuma razão especial.
É precisamente 1:30h da manhã. A noite está nublada e as estrelas brilham tenuemente, apagadas pelo vento frio que corre nesta madrugada de Julho.
Escolhi cuidadosamente o bloco e a caneta para te escrever. São habituais estes pequenos ritos, mas sei que não sabes. Acho que nem sequer sabes que escrevo. Mas não importa, porque escrevo-te hoje, como te podia ter escrito ontem ou daqui a cinco anos. Ainda assim não irias saber.
Escrevo-te hoje, e hoje é a última vez que te escrevo. Quanto mudámos com as marés que nasceram e morreram ao longo destes anos… Até já me surgiram pontuais cabelos brancos. E a ti? Sei que já tens mais barba. Pareces mais sábio. Acho que estás mais sábio.
Escrevo-te hoje com olhos que te vêem de forma diferente; olhos que provavelmente não escreveriam assim se não tivessem mudado. Ainda bem que mudaram.
Escrevo-te hoje, e o Chiado continua igual. Os candeeiros enferrujados desta cidade de onde foges também. Mas eu não.
Escrevo-te hoje a milhas de distância, do corpo e da alma, que sei que está entregue a outrem. Se calhar escrevo-te hoje por isso. Mas sem mágoas! Fico contente, e só fico contente porque hoje, enquanto te escrevo – e esta é a última vez que te escrevo – agradeço-te.
Por tua causa, hoje existo sem cânones definidos. Foste o mais idílico de todos eles, e na tua natureza mais simples, falhaste. Falhaste-me. Mas não te lamentes! Agradeço-te por isso.
Foste o teu próprio antídoto; a tua pele foi-se despindo com o passar dos dias e descobri que a tua nudez não me cabia. É quando nos despimos dos adereços do espectáculo mundano que percebemos se somos certos para amar. E tu não eras. E é por isto que te escrevo.

Escrevo-te hoje. Agradeço-te hoje. Por nunca me teres amado.

Sem comentários:

Enviar um comentário