21 junho, 2012

Respirar o cheiro da terra, olhar o alcatrão a perder-se na corda bamba do horizonte.
Vou contar cada passo. A sola dos ténis está gasta; sinto a estrada a morder-me os dedos.
Carrego o peso de uma vida não vivida nos ombros, cujo sol adoura no ardente brilhar da tarde. As colinas verdejantes erguem-se ao fundo, moldadas pela brisa que sussurra versos de um poeta antigo.
E o que sou eu? Um ponto negro, branco ou tricolor numa berma de uma estrada de um pedaço de uma terra qualquer.
Quero ser um espírito livre, alma índia, com asas, leve, uma pena, uma pluma, um flutuo. Mas ninguém é leve quando carrega passado.
Fujo por algo. Se estivesse plena não partiria, e então tento esquecer, mas não esqueço.
Atravesso rios, rasgo florestas. Brinco com comboios e com aviões. Afasto-me. Não paro para pensar; paro de pensar. Em vão.
Sou nova, revigorada. Onde estão os dedos mordidos? A estrada? A terra?
A razão do meu apartamento está trancada no canto mais ínfimo da mente. Tirei-a do peito, onde me sufocava, e pu-la ali. Já nem sei que ela existe. 
Até que alguém pergunta porque estou onde estou, porque parti. As correntes dissolvem-se como orvalho na alvorada, e uma ponta badala no peito, para onde a razão volta. Para onde o passado volta.
Minto: digo que preciso de constante mudança, que sou espírito livre e alma índia. Alguém sorri perante aquela resposta cheia de encanto. E eu apenas sorrio de volta.

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