22 dezembro, 2011

Conseguia sentir a brisa do mar.
Sentada num altar de quartzo, as dunas proibiam o alcance da minha visão. O céu azul cristalino seduzia-as, no leito infindo de espécies raras. A brisa esquartejava as redes brancas do matagal pré-dunal, como uma tempestade antárctica num deserto árabe.

Conseguia sentir a brisa do mar.
O sol flamejava na minha própria face esquerda e as lentes negras nada faziam. Era um flamejar agridoce, consumidor, exaustivo. As páginas de um livro que não era meu compunham uma passagem sinfónica perante as pontas dos meus dedos.
Sinfónica... Natural... Uma espada, talvez. Não era afiada, nem cortava, apenas soava entre a brisa e as dunas e as redes brancas.

Conseguia sentir a brisa do mar.
Ao fundo. Bem lá ao fundo, ele lá estava. Acompanhado de solidão, tal como eu. Tal como Jane Austen e o livro que tinha escrito que pousava nas minhas palmas.
Mas ele lá estava. Não era nenhum Darcy, nem eu Elizabeth. Anti-portadores do Derbyshire, ou de qualquer orgulho e preconceito. Talvez pela ausência de altitude de sonho.
Não... Mas eu sonhava. Por entre páginas e frases de épocas aquém de mim, aquém daquilo que alguma vez o meu corpo sentiria. Mas eu sonhava... O único ele que me ligava, ainda, ao lado físico do mundo.

Conseguia sentir a brisa do mar.
Sem força para comandar marés nem marinheiros, nem poder para levantar ondas. No meu barco de cartão à deriva de um rio sem água, esperando por um qualquer sinal de vida.

Conseguia sentir a brisa do mar.
Estávamos agora mais distantes, era eu que me afastava.
Abandonava o barco e o altar, a brisa, as dunas e as páginas. Trazia o magnetismo incontrolável da realidade, aquele ácaro que continuava a existir.
Ele continuava ao fundo. Já o conhecia e ele a mim. Entranhava-se. Mais que pele.
As suas vagas engoliam-me sem sequer me tocarem. A sua densidade levitava em meu redor. O seu profundo azul vivia no negrume dos meus olhos. E eu sonhava... Com ele, sobre ele, dele. Tudo o que era possível habitava o meu pensamento.
E de entre tanto sonho, nunca fui capaz de me aproximar da ideia que a sua imensidão era tão grande como a minha melancolia.

(fotografia de minha autoria)

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