03 setembro, 2010

Lieb Vertrauter,

Já não sei mais o que fazer.
Ao longo destes meses, destes longos meses, tenho vindo a abstrair-me de tudo.
Não me é permitido o contacto com o mundo lá fora, e o meu desespero cresce dia após dia.
Sinto falta do cheiro do pão quente da padaria do senhor Henick, quando passava a caminho da escola.
Sinto falta da melodia dos pássaros que teimavam em permanecer no velho castanheiro no início da rua 23.
Sinto falta do sorriso reconfortante dos meus amigos e sinto até falta do cabelo desajeitado da nossa professora, a Miss Schneider.
Sou obrigada a passar como uma desconhecida da sociedade. Tenho que ter vergonha das minhas origens e tenho que aceitar que o facto de ser judia contribui para a minha exclusão social.
A verdade, é que todos temos que seguir regras feitas por “não sei quem” e “não sei porquê”. O Adolf Hitler destruiu a minha família, o meu mundo e destruiu-me a mim.
Daddy bem tenta acalmar-me, dizendo que nós não iremos ser “apanhados” como os outros judeus, porque tanto Daddy como Mama têm emprego, mas eu não acredito em nada do que ele me diz. Não consigo acreditar.
Eu inclusive já ouvi nas ruas da cidade uns nomes que nunca antes tinha ouvido… Algo como Auschwitz, e Bergen-Belsen, se não me engano. Tenho a certeza que são os tais campos onde nos irão mandar para trabalhar. Mas eu não acredito que seja para trabalhar.
Todas as noites tenho um pressentimento estranho. Demoro horas a cair no sono, porque sei que algo irá acontecer. O pior de tudo é que a sociedade nos obriga a viver num estado de ignorância, e as notícias que nos chegam são murmúrios assustados de quem não consegue controlar a sua revolta. Resta-me esta maneira de tentar comunicar ao mundo aquilo que sinto. Nunca sei quando será que a GESTAPO poderá entrar dentro da nossa casa e levar-nos. Nunca sei quando será a última vez que te irei escrever, lieb vertrauter…
Resta-me uma única esperança. A esperança de que um dia e nalgum lugar, eu possa ser realmente feliz, sem poder ser julgada pela minha religião ou pelas minhas opções. Por isso, despeço-me como se esta vez fosse sempre a última.

Até à eternidade…
Die Stets Ihre, Beatriz.

1 comentário:

  1. ah, é verdade! não, não cheguei a ir. o festival deste não tinha ninguém de jeito então não comprei bilhete :\ mas se pesquisares no youtube por queen on fire deve aparecer-te vídeos deles!

    ResponderEliminar